Candomblé do Bitedô

Bitedô. Foto: Blog do Cacau Nascimento/ Cachoeira Online

A partir da segunda metade do século XIX (1850), Cachoeira se tornou uma cidade segregadora, dividida por categorias sociais: Alemães ligados à manufatura do fumo uniam-se a ingleses ligados à Estrada de Ferro e, conjuntamente, frequentavam a mesma igreja protestante, o mesmo clube social e eram sepultados em cemitério construído exclusivamente para eles; os grandes comerciantes e industriais portugueses católicos frequentavam a igreja de sua irmandade predileta, residiam no mesmo condomínio, e, ao falecerem, eram sepultados em cemitério próprio; e por sua vez, africanos e seus descendentes criaram estratégias de sobrevivencia com poderes compatíveis àqueles outros grupos, criando instituições civis, como associações de classe e clubes sociais,  instituições religiosas, como igrejas católicas e terreiros de candomblé, e cemitério próprio.

O mais importante núcleo de africanos foi o núcleo da Recuada, uma porção de terras localizada numa zona baldia e insalubre do rossio, que durante o século XVII (1600) fazia parte do engenho Pitanga, pertencente ao capitão Gaspar Rodrigues Adorno ou ao sargento-mor Álvaro Rodrigues Adorno, seu irmão. Em 1775, Margarida Rodrigues Adorno, filha de Álvaro Adorno, residia nuna casa de taipa "junto ao hospital", em terras foreiras ao sargento-mor José Gonçalves Fiusa, parte delas herdadas por José Antonio Fiusa da Silveira, principalmente as "terras do Pasto desta vila, da ponte do Pitanga até o Capoeiruçu e Faleira", ou seja, a Recuada, onde surgiram quatro agrupamentos (arruados) de africanos: Corta-jaca (depois denominado Rua de Belchior e atual Rua dos Remédios); Curral Velho (era o matadouro público, hoje praça Marechal Deodoro, ligado ao Corta-jaca pela Rua do Rosarinho, atual Rua Alberto Rabelo); Galinheiro (contíguo ao Corta-jaca, separado por uma praça que margeava o riacho Soberbo, hoje canalizado, incrustado no sopé do morro Bitedô); e Bitedô (morro íngreme de onde era possível ter uma visão de toda a área urbana, inclusive de parte do Rio Paraguaçu. Junto ao Bitedô, numa depressão, formava-se outro morro muito maior, conhecido como Capapina.).

Em 28 de julho de 1858, Jose Joaquim de Oliveira comprou de José Antonio Fiusa da Silveira, as terras que hoje compreendem a Praça Augusto Régis (antiga Rua do Moinho), incluindo o morro Bitedô (atualmente Alto do Cruzeiro e Ladeira Manoel Vitório) e Rua 28 de Junho (antiga Rua do Cemitério).

Contam os antigos que o primeiro candomblé existente em Cachoeira era de origem Jeje, localizado em um sitio do antigo núcleo residencial africano Galinheiro, numa baixada do pico da atual ladeira Manoel Vitorio. A data de fundação do candomblé do Bitedô se perdeu no tempo. O que se sabe é que, por volta de 1830, o candomble do Bitedô (ou Obá Tedô) era dirigido por um africano jeje chamado Xareme (Tio Xareme, Tixareme ou Quixareme) de Azansú, que possuia grandes conhecimentos religiosos.

Não se sabe se esse candomblé foi fundado pela mulheres da Boa Morte, sendo, portanto, uma ramificação do candomblé Jeje Zoogodô Bogum Malê Hundó, em Salvador, ou se já existia antes da Boa Morte chegar a Cachoeira.
O local onde funcionou o candomblé do Bitedô, atualmente abandonado, é conhecido pela população local como Bitedô, e é onde todos os terreiros de Cachoeira despacham seus carregos fúnebres.

Com à construção da Imperial Estrada de Ferro Central Viaduto do Batedor (corruptela de Bitedô), inaugurada em 2 de dezembro de 1876, o candomblé do Bitedô foi obrigado a transferir-se para outro local, pois ficava inviável a prática religiosa naquela roça, com a presença de dezenas de funcionários da rede ferroviária trabalhando. O candomblé foi transferido para um terreno próximo à Fazenda Altamira, de propriedade do marceneiro Zé de Brechó (José Maria de Belchior - 1837- 1902), irmão de Salakó (Antonio Maria de Belchior) e de Maria de Belchior, todos filhos da africana Jeje Tatá de Brechó (Maria Motta) e do lavrador Belchior Rodrigues Moura.

Fonte:
Awô: o Mistério dos Orixás, por Gisele Omindarewá Cossard
Gaiaku Luiza e a Trajetória do Jeje-Mahi na Bahia, por Marcos Carvalho